terça-feira, 24 de maio de 2022

Sergio Moro vira réu em ação que pede ressarcimento por prejuízos da "lava jato"

A ação foi apresentada por cinco deputados federais, com fundamento no fato de que a lei prevê reparação por atos de agente público que afronta a normalidade institucional em proveito próprio, abrindo mão dos deveres funcionais inerentes ao cargo que ocupa. O juízo da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal recebeu a ação popular que pede que Sergio Moro seja responsabilizado pelos prejuízos causados pela "lava jato" no país, tornando réu o ex-juiz. A ação foi apresentada por cinco deputados federais, com fundamento no fato de que a lei prevê reparação por atos de agente público que afronta a normalidade institucional em proveito próprio, abrindo mão dos deveres funcionais inerentes ao cargo que ocupa. Pelo Twitter, o ex-juiz comentou a decisão, afirmando que se trata de uma completa "inversão de valores". Ele escreveu: "Em 2022, o PT quer, como disse Geraldo Alckmin, não só voltar à cena do crime, mas também culpar aqueles que se opuseram aos esquemas de corrupção da era petista. A ação popular proposta por membros do PT contra mim é risível. Assim que citado, me defenderei. A decisão do juiz de citar-me não envolve qualquer juízo de valor sobre a ação. Todo mundo sabe que o que prejudica a economia é a corrupção e não o combate a ela. Todos que lutaram contra a corrupção serão perseguidos na 'democracia petista'." A ação popular apresenta uma lista das condutas de Moro que feriram o respeito aos limites legais e afrontaram o princípio da imparcialidade. Para começar, o então juiz autorizou a interceptação e monitorou conversas telefônicas de um escritório de advocacia, com o claro objetivo de "bisbilhotar" e saber antecipadamente a estratégia defensiva. Além disso, determinou uma "espetaculosa" condição coercitiva de alguém que jamais deixou de atender às intimações judiciais, mediante o uso de um "aparato militar cinematográfico" e com a evidente finalidade de abalar a imagem do réu e sua presunção de inocência. O então juiz ainda deu publicidade a conversas telefônicas com o nítido fim de convulsionar a sociedade e as instituições em favor do impeachment de uma Presidenta legitimamente eleita, e contra o partido então governista. A peça ainda lembra o episódio em que Moro, sem jurisdição e de férias, atuou para manter preso o ex-presidente Lula, cuja soltura havia sido determinada por órgão jurisdicional hierarquicamente superior. Ao mesmo tempo em que perseguia Lula, narram os deputados, Moro recebeu convite para integrar o governo de Jair Bolsonaro, seu antagonista político; deu publicidade a anexos de delação premiada para prejudicar Lula; e, logo depois, aceitou convite para chefiar o Ministério da Justiça no governo de Bolsonaro. Depois de ter deixado o governo, prossegue a inicial, Moro foi contratado para trabalhar em empresa de consultoria responsável, dentre outros, pela recuperação judicial de empresas direta e indiretamente prejudicadas por atos que praticou enquanto juiz. Além disso, lançou-se como candidato à Presidência da República "com base na fama e no capital político adquirido por sua atuação enquanto magistrado". Tudo isso, finaliza o pedido, praticado em manifesta contrariedade às balizas normativas e jurisprudenciais que delineiam a garantia constitucional do juiz natural. A ação popular é assinada pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho, Fabiano da Silva Santos, Lenio Luiz Streck, Weida Zancaner, Caroline Proner, Pedro Estevam Serrano, Gisele Guimarães Cittadino, Juvelino Strozake, Luciano Rollo Duarte, Larissa Ramina Reinaldo Santos de Almeida, Maíra Calidone Recchia Bayod, Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, Marco Antônio Riechelmann Júnior, Luis Henrique Pichini Santos, Lucas Bortolozzo Clemente, Matheus Rodrigues Correa da Silva, Alfredo Ermírio de Araújo Andrade, Fernando Augusto Fernandes e Guilherme Marchioni. Ação Popular 1025482-78.2022.4.01.3400

terça-feira, 10 de maio de 2022

Ministério da Saúde incentiva violência obstétrica em lançamento da nova Caderneta da Gestante Em evento para ‘homenagear mães’, governo dá carta branca para violência de médicos no parto.

Ministério da Saúde incentiva violência obstétrica em lançamento da nova Caderneta da Gestante Em evento para ‘homenagear mães’, governo dá carta branca para violência de médicos no parto. Terça-feira 10 de maio 2022 Judimar J. Santos com The Intercept Brasil O MINISTÉRIO DA SAÚDE, na figura do secretário de Atenção à Saúde Primária Raphael Câmara, anunciou na última semana o lançamento da sexta edição da Caderneta da Gestante. Serão distribuídos mais de três milhões de exemplares pelo SUS, todos com o preocupante estímulo a uma prática violenta e ultrapassada: a episiotomia, corte feito na vagina durante o parto para facilitar o trabalho do médico. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde reconheceu que não há qualquer evidência científica que apoie a realização da episiotomia. O documento ainda promove uma diretriz duvidosa ao ressaltar a amamentação exclusiva como método para prevenir uma nova gravidez nos primeiros seis meses após o parto, apesar de complementar que esta proteção não é plena. Raphael Câmara, vale mencionar, é um fervoroso defensor da promoção da abstinência sexual como contracepção para jovens, opondo-se ao ensino do uso de contraceptivos. Pior: no evento que lançou a caderneta, Câmara defendeu abertamente não só a episiotomia – considerada uma “mutilação genital” por Marsden Wagner, ex-diretor da área de Saúde da Mulher e da Criança da OMS – mas também a realização da manobra de Kristeller. Ela consiste em fortes empurrões e apertos na barriga da gestante feitos com as mãos, braços ou cotovelos durante o parto – isso quando o profissional de saúde não sobe na barriga da mulher. No mesmo documento de 2018, a OMS os destacou como uma fonte de “grande preocupação” pelo potencial de “dano à mãe ou ao bebê”. Mais do que a episiotomia, que segue sendo realizada em mais de metade dos partos no Brasil por médicos em desacordo com as evidências científicas mais recentes – e causando grandes estragos à vida sexual das mulheres, como mostramos nesta reportagem – a manobra de Kristeller já é mais comumente reconhecida como uma forma de violência obstétrica. Desde 2019, nossos profissionais de enfermagem são proibidos de realizá-la, tanto por ser entendida como uma forma de abuso quanto por haver conhecimento de que as evidências científicas demonstram que ela é “ineficiente e danosa à saúde materna e neonatal”. Além disso, o próprio Ministério da Saúde afirma com todas as letras nas Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, documento de 2017, que “a manobra de Kristeller não deve ser realizada” É ignorando as normas já estabelecidas pela própria pasta que representa, portanto, que Raphael Câmara verbaliza seu apoio à perigosa e violenta manobra em um evento que chamou de “símbolo para homenagear as mães” pelo Dia das Mães, comemorado no último domingo. Em sua fala, ele destacou a página que fala da episiotomia na caderneta, intitulada de “SUS e a cultura da paz” e lamentou que “essa parte materno-infantil” seja baseada “em ideologia, em guerra”. Após uma breve pausa para cumprimentar com um riso entusiasmado “nossa eterna capitã” Mayra Pinheiro – a Capitã Cloroquina –, sentada na plateia para lhes “prestigiar”, Câmara seguiu: “Vamos parar de usar termos que não levam a nada, como violência obstétrica, que só provoca desagregação, coloca a culpa no profissional único, o que não tem o menor sentido”. ‘Um enfermeiro subiu em mim e ficou até minha filha nascer’. Segundos depois, vem a defesa dos procedimentos violentos. “É importante eu, como obstetra, falar que dependendo da situação e, eu concordo, em casos excepcionais, eles podem e devem ser feitos, e quem define isso é o médico. Não são leigos, não são militantes”, argumentou, citando como exemplos “episiotomia, manobra de Kristeller”. Para ele, a técnica não consiste em subir na barriga da gestante – “quem inventou isso?” –, mas sim em uma “manobra extremamente suave”. “Óbvio que se eu, com 130kg, sentar na barriga de uma grávida, óbvio que a grávida vai morrer, vai ter uma rotura hepática”, reconheceu. “Isso nunca foi e nunca será a manobra de Kristeller”. ‘Fratura de costela’ A ginecologista e obstetra Melania Amorim, pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS, reagiu à fala de Câmara com uma imagem de uma gestante coberta de hematomas em seu Instagram, acompanhada pela legenda: “como plantonista, primeiro do centro obstétrico e depois da UTI, recebi já muitas vítimas da manobra e tive a oportunidade de ver ruptura uterina, de vísceras (fígado, baço), luxação renal, hemorragia e morte materna por manobra de Kristeller”. Amorim continua, relatando que “são reais” as histórias de profissionais de saúde que “sobem na mesa e colocam seu peso” sobre o útero da parturiente, uma “forma nefanda e atroz de violência obstétrica”. No último sábado, a médica publicou um “post aberto” para que vítimas da manobra deixassem seus relatos. “No meu primeiro parto um Enfermeiro subiu em mim e ficou até minha filha nascer. Aquilo me causava náuseas e dor! Mas eu não podia falar nada porque enfiaram um pano na minha boca para eu não fazer ‘força errada'”, contou uma internauta. “Pensei que ia morrer pelo peso do Enfermeiro. Fiquei com dor nas costelas por mais de 2 anos”. Uma profissional de saúde relatou que, após a manobra, um recém-nascido não movimentava uma das pernas. “Algumas horas após o nascimento, desconfiaram de fratura de fêmur. Foi confirmada com radiografia. Fratura de fêmur no RN devido a manobra”. Outra mulher resumiu: “Fratura de costelas”. Até a publicação deste texto, mais de 40 mulheres já haviam narrado suas histórias. Paraíso dos maus obstetras A defesa feita por Câmara de atos que constituem violência obstétrica não surpreende, dado o histórico das instituições que representa e o papel exercido nelas pelo médico, representante do estado do Rio de Janeiro no Conselho Federal de Medicina. O Ministério da Saúde de Bolsonaro e o CFM ridicularizam há anos o conceito de violência obstétrica e contribuem para sua perpetuação ao afirmar que a luta contra esses abusos é uma afronta à dignidade dos médicos. E, mais do que mero membro dos dois órgãos, Raphael Câmara é quem faz o elo entre eles, reforçando o bolsonarismo no conselho de medicina e promovendo os interesses do CFM no governo federal. A nova caderneta da gestante prova quão bem Câmara vem desempenhando esta última função. Ela é, segundo o site do ministério, “parte das ações desenvolvidas pela pasta para o aprimoramento da assistência materna e infantil”, que começou com a destruição da Rede Cegonha por parte do secretário. A “mais bem-sucedida política pública de assistência ao pré-natal, parto e puerpério no Brasil”, como é caracterizada pelo Conselho Federal de Enfermagem, foi desmantelada para dar lugar à Rede de Atenção Materna e Infantil. Como mostramos em nossa newsletter de 15 de abril, a mudança foi criticada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e por organizações feministas. E aqui entra o lobby bem-sucedido da categoria médica. A Rami, ao contrário da Rede Cegonha, retira o protagonismo da paciente na gravidez, no parto e no puerpério, exclui profissionais de enfermagem e ignora o cuidado na primeira infância para direcionar seus holofotes para uma única figura: a do médico obstetra – especialidade do conselheiro fluminense do CFM, vale lembrar. A inclusão da episiotomia na caderneta e o endosso público de métodos cruéis para acelerar o parto durante seu lançamento são igualmente corporativistas. Agora, por meio de Raphael Câmara, o Ministério da Saúde não apenas faz pouco dessas violências, como confere publicamente legitimidade a essas técnicas – e, consequentemente, respaldo aos médicos que as utilizam à revelia da ciência e da integridade corporal das mulheres. É o sonho de todo mau obstetra tornado realidade.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Exclusivo: a Abin paralela dos Bolsonaro Relatórios para defender Flávio Bolsonaro podem ter sido produzidos por Abin paralela dentro própria agência.

Os relatórios produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência para alimentar a defesa de Flávio Bolsonaro são um indício de que há um aparato clandestino de espionagem e polícia política funcionando nos porões do governo Jair Bolsonaro. O colunista Guilherme Amado, da revista Época, publicou reportagem nesta sexta-feira mostrando que a Abin produziu pelo menos dois relatórios. Eles instruíram Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre como agir para conseguir documentos capazes de anular o processo judicial a que o senador responde pela acusação de desviar salários de funcionários de gabinete. O caso conhecido como o das rachadinhas envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz, amigo do presidente da República, preso em junho na casa do advogado Frederick Wassef, que trabalhou para Jair Bolsonaro e para o próprio Flávio. Nesses dois documentos, segundo a Época, a Abin descreve o que diz ser uma organização criminosa na Receita Federal, de onde partiram as informações que deram início à investigação. O objetivo dos relatórios era contribuir com a tese da defesa de Flávio de que houve uma devassa ilegal dos dados fiscais dele. Um dos relatórios traz no campo destinado a esclarecer sua finalidade a descrição “Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”, segundo a Época. A existência de uma Abin clandestina era uma suspeita alimentada há tempos em Brasília. Ela existia publicamente desde que o próprio presidente Bolsonaro revelou ter um "sistema particular de informações" em uma reunião com ministros. Agora, a história ganha um novo caminho para a possível descoberta desse aparato ilegal. Nesta sexta-feira, o Intercept conversou com uma fonte da Abin, que deu detalhes do caso. A fonte revelou que tanto ela como seus colegas desconfiam da mesma pessoa como sendo a responsável pelo relatório. Trata-se de Marcelo Bormevet, um policial federal cedido à agência que é também um bolsonarista entusiasmado nas redes sociais. Marcelo Bormevet está na Abin desde 24 de setembro de 2019. Ocupa um posto-chave no Centro de Inteligência Nacional, o CIN, que surgiu formalmente em agosto de 2020, mas vinha sendo estruturado às escondidas desde pelo menos o início do ano. Bormevet é coordenador-geral de Credenciamento de Segurança e Análise de Segurança Corporativa. O CIN tem a atribuição de acompanhar "assuntos de inteligência estratégica", aí incluídos segurança pública, crime organizado e manifestações políticas. Goza ainda a prerrogativa de fazer o que, na Abin, se chama de ‘pesquisas sociais’ – a investigação prévia sobre indicados para cargos no governo. Ex-agente penitenciário no Distrito Federal, Marcelo entrou para a Polícia Federal em 2005. No Twitter, é um bolsonarista típico: retuíta posts de Jair e Carlos Bolsonaro e faz proselitismo para o Aliança pelo Brasil, partido que não saiu do papel. Também compartilha notícias falsas sobre a eficácia da cloroquina no tratamento da covid-19 e lança dúvidas sobre as vacinas que o governo federal se esforça para barrar no Brasil. Um mistério até mesmo para os colegas O detalhe é que pouca gente na Abin sabe exatamente o que faz a coordenação tocada por Bormevet. Não há sequer uma descrição das funções dela no organograma da agência, algo incomum mesmo no setor de inteligência. O detalhe é que pouca gente na Abin sabe exatamente o que faz a coordenação tocada por Bormevet. Não há sequer uma descrição das funções dela no organograma da agência, algo incomum mesmo no setor de inteligência. A criação do CIN, em agosto passado, causou desconfiança. O deputado Alessandro Molon, do PSB do Rio, tenta sustá-la com um projeto de decreto legislativo que apresentou dias depois do novo departamento da Abin aparecer no Diário Oficial. Na justificativa, ele argumentou que ela "pode dar respaldo para perseguição de opositores políticos". Até agora, porém, o projeto de Molon não saiu do lugar. No mesmo decreto que criou o CIN, Bolsonaro também autorizou a Escola de Inteligência, o centro de preparação dos agentes da Abin, a dar treinamento a quem não é servidor da agência. Para a oposição, as mudanças abrem brecha para que a agência funcione como um órgão de governo e não de Estado – justamente o que se vê no caso Flávio Bolsonaro. Basta querer para identificar o autor Chama a atenção, ainda, o fato dos relatórios não terem sido gerados em nenhum dos dois sistemas usados pelos analistas para produzir esse tipo de documento. Não é à toa: por meio deles seria muito fácil identificar o autor. Os documentos foram enviados ao filho 01 do presidente por WhatsApp, segundo a Época. Ainda assim, uma investigação daria conta de identificar quem usou a estrutura da Abin para salvar o pescoço de Flávio Bolsonaro. "Basta procurar os logs em bases de dados à disposição de analistas da Abin e rastrear pedidos feitos a outros órgãos em nome da agência", nos revelou a fonte. Neste caso, já se sabe até onde procurar – a Receita Federal. Isso, claro, se o governo estivesse disposto a esclarecer alguma coisa. Não está. Em nota divulgada hoje, o gabinete do ministro Augusto Heleno, a quem a Abin está subordinada, segue tentando negar suas digitais no caso. "As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência", diz o texto. Ocorre que a defesa de Flávio Bolsonaro confirmou à Época que os documentos foram de fato produzidos pela Abin. Enviamos perguntas ao e-mail funcional de Bormevet e à assessoria de comunicação da agência. Ninguém nos respondeu. A sexta-feira foi um dia de confusão na sede da Abin, em Brasília. O caso Flávio Bolsonaro tem o potencial de colocar uma bomba atômica no colo do presidente da República e de Augusto Heleno, seu ajudante de ordens. Mas, na Abin, são poucos os que veem chance de que o diretor-geral da agência, Alexandre Ramagem, um delegado da PF que é amigo da família presidencial, seja demitido por causa dele. Os tempos, afinal, são sombrios. O autor dos relatórios, porém, não parece ter passado pela escola da Abin. Os olhos treinados do pessoal da inteligência de quem levantamos informações estranharam a redação dos relatórios produzidos para Flávio Bolsonaro. A linguagem nada tem em comum com o padrão adotado pela Abin. "Todos os analistas de inteligência passam por um treinamento para seguir uma espécie de manual de redação", nos disse a fonte. A ideia é justamente adotar uma linguagem que não identifique quem produziu um determinado papel, uma linguagem neutra e burocrática. Veja a Integra da matéria da Revista @Época : Abin fez relatórios para orientar defesa de Flávio Bolsonaro na anulação do caso Queiroz Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz. Nos dois documentos, obtidos pelo colunista Guilherme Amado, da Revista Época, e cuja autenticidade e procedência foram confirmadas pela defesa do senador, a Abin detalha o funcionamento da suposta organização criminosa em atuação na Receita Federal (RFB), que, segundo suspeita dos advogados de Flávio, teria feito um escrutínio ilegal em seus dados fiscais para fornecer o relatório que gerou o inquérito das rachadinhas. Enviados em setembro para Flávio e repassados por ele para seus advogados, os documentos contrastam com uma versão do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que afirmou publicamente que não teria ocorrido atuação da Inteligência do governo após a defesa do senador levar a denúncia a Bolsonaro, a ele e a Alexandre Ramagem, diretor da Abin, em 25 de agosto. Um dos documentos é autoexplicativo ao definir a razão daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados por WhatsApp para Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana Pires. O primeiro contato de Alexandre Ramagem com o caso foi numa reunião no gabinete de Bolsonaro, em 25 de agosto, quando recebeu das mãos das advogadas de Flávio uma petição, solicitando uma apuração especial para obter os documentos que embasassem a suspeita de que ele havia sido alvo da Receita. Ramagem ficou com o material, fez cópia e devolveu no dia seguinte a Luciana Pires, que voltou ao Palácio do Planalto para pegar o documento, recebendo a orientação de que o protocolasse na Receita Federal. A participação da Abin, a partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro, com orientações sobre o que a defesa deveria fazer. No primeiro relatório, o que especifica a finalidade de “defender FB no caso Alerj”, a Abin classifica como uma “linha de ação” para cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”. O texto discorre então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e, num padrão que permanece ao longo do texto, faz imputações a servidores da Receita e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel. “A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita. O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que essa recomendação já havia sido feita em 2019. “Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB!”, explica o texto. A agência traça em seguida outra “alternativa de prosseguimento”, que envolveria a Controladoria-Geral da União (CGU), o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Advocacia-Geral da União (AGU). “Com base na representação de FB protocolada na RFB (Tostes), CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da Corregedoria e Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância requisita a Apuração Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso de recusa do Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita judicialização da matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos da apuração especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento de ação penal e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto, resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos órgãos sob comando do Executivo”. Ainda nesse primeiro documento, outros dois servidores federais são acusados pela Abin, o corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto. “Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do problema e tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria escrutinar no âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”, disse o texto. Um parêntese curioso. Neste trecho, já no fim do documento, a Abin, comandada pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, sugere que Bolsonaro demita Waller Júnior da Corregedoria-Geral e coloque no lugar dele um policial federal: “Neste caso, basta ao 01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por outro CGU isento. Por exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF de sua confiança”. O outro documento enviado pela Abin a Flávio e repassado por ele a sua advogada traça uma “manobra tripla” para tentar conseguir os documentos que a defesa espera. As orientações da agência aqui se tornam bem específicas. “A dra. Juliet (provável referência à advogada Juliana Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes, tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido”, diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”. Em seguida, o texto sugere que a defesa peticione ao chefe do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio Bolsonaro faria. A Abin ressalta que o pedido deve ser por escrito. “O e-sic (sistema eletrônico da Lei de Acesso) deve ser evitado pois circula no sistema da CGU e GILBERTO WALLER integra a rede da RFB”, explicou a Abin. E, por fim, o relatório sugere “neutralização da estrutura de apoio”, a demissão de “três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF”, que “devem ser afastados in continenti”. “Este afastamento se resume a uma canetada do Executivo, pois ocupam cargos DAS. Sobre estes elementos pesam condutas incompatíveis com os cargos que ocupam, sendo protagonistas de diversas fraudes fartamente documentadas”, afirma o texto, sem especificar que condutas seriam essas. E cita os nomes de três servidores: novamente o corregedor José Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, Christiano Paes. Num indicativo de que Bolsonaro talvez esteja seguindo a recomendação da Abin contra os servidores, Paes pediu exoneração do cargo na semana passada. Procurado, o GSI negou a existência dos documentos, mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema.Procurada, a advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu conteúdo. Em nota divulgada no início da tarde desta sexta, o GSI voltou a negar a veracidade da reportagem. "As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência", disse a pasta. A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois obtidos pela coluna. Alexandre Ramagem, diretor da agência, atualmente voltou a ser cotado para comandar a Polícia Federal, caso Bolsonaro seja inocentado no inquérito que investiga se ele queria controlar a corporação ao nomear Ramagem, amigo de seus filhos, para a direção da PF.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Operações da PF contra governadores x Operações contra o famoso e conhecido gabinete do ódio e as fake news

Até ontem os bolsonaristas de plantão festejavam e soltavam fogos tudo isso para comemorar as investigações em andamento contra governadores, cujo os mandatos foram solicitados pela PGR e cumpridos Polícia Federal. Bom até aí tudo ok.
Tanto que para Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro que exaltaram a atuação da PGR, PF e STJ naquele instante estava tudo perfeito.
Eis que! O engraçado é, que aquela mesma PF que até ontem era perfeita, hoje para eles não servem mais? Como assim?
Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro reagiram à operação da Polícia Federal que deflagrada na manhã de hoje para cumprir 29 mandados de busca e apreensão no inquérito das fake news que investiga ataques a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Eles se posicionaram perplexos, indignados, apreensivos e contrários as ações deflagrada pela PF que cumpriu o que lhe foi determinado pela justiça contra o gabinete do ódio e que cujo seus integrantes produzem a todo vapor as famosas fake news com ataques a corte e adversários políticos do Clã Bolsonaro!
A PF apura o envolvimento de políticos e empresários ligados ao governo!
Então vamos lá! Estão temendo o que? Se todos eles não tem culpa no cartório não há o que temerem? Certo! 
Ou será que todos eles tem culpa no cartório e estão com medo que a verdade venha a público? 
A única certeza é que se tiverem algum tipo de envolvimento com algo ilicito já sabem! A lei deve e será aplicada a todos sem exceção!

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Ministro decano do STF Celso de Mello envia à PGR pedido de apreensão do celular de Jair Bolsonaro. Os despachos enviados nessa quinta-feira (21/05) foram apresentados por partidos e parlamentares ao ministro do STF.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, enviou ofício à Procuradoria-Geral da República (PGR) com três notícias-crimes contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Os despachos enviados nessa quinta-feira (21/05) foram apresentados por partidos e parlamentares ao ministro do STF. Eles pedem desdobramentos na investigação sobre a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF).

Entre as medidas apresentadas, está a apreensão dos celulares do presidente Jair Bolsonaro e de um dos filhos dele, o vereador Carlos Bolsonaro. É solicitado ainda o depoimento do chefe do Executivo sobre o caso.

Celso de Mello enviou os casos para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, que é responsável por analisar e decidir sobre os pedidos apresentados.

A ação do ministro do STF ocorre um dia antes de ele decidir sobre a divulgação do vídeo da reunião ministerial citada pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, em depoimento à PF.

O presidente Jair Bolsonaro pediu, nessa quinta-feira (21/05), que o decano do STF não divulgue “a fita toda”. Segundo ele, existe questões reservadas, potencialmente sensíveis.

“Eu tô adiantando a decisão do ministro Celso de Mello: não tem nada, nenhum indício de que porventura eu interferi na Polícia Federal naquelas duas horas de fita. Agora, só peço: não divulga a fita toda. Tem questões reservadas, tem particularidades ali”, disse.

sábado, 6 de julho de 2019

FLORESTA EM CHAMAS No fronte da guerra de Bolsonaro pela Amazônia, quem depende da floresta luta contra a catástrofe climática

A bacia do rio Amazonas é mais ou menos do tamanho da Austrália. Formada ainda na infância do planeta pelo choque entre placas tectônicas, ela foi o berço de mares interiores e lagos continentais. Há milhões de anos, ela possui um rico ecossistema tropical, com 400 bilhões de árvores e uma vegetação tão densa e úmida que chega a ser responsável por 20% do oxigênio da Terra, pela armazenagem de séculos de emissões de carbono e pela absorção de uma quantidade considerável do calor solar. Um quinto da água doce do mundo passa por seus rios, plantas, solo e ar. Toda esta umidade alimenta e regula diversos sistemas planetários, como a formação de “rios voadores” por evapotranspiração – nome dado ao incessante fluxo de água expelida pela floresta, formando grandes corredores aéreos que levam chuva às regiões agrícolas da Argentina e do Meio-Oeste dos EUA. Nos últimos 50 anos, porém, cerca de um quinto desta mata – algo em torno de 780.000km² – foi derrubada e queimada no Brasil, em cujo território estão quase dois terços da Bacia Amazônica. A área devastada é maior do que a do Texas – estado americano com o qual ela guarda agora uma triste semelhança, com seus pastos silenciosos castigados pelo sol, seus campos de soja e suas igrejas evangélicas. Esse desmatamento histórico – aliado a níveis comparáveis de degradação e fragmentação florestal – tem alterado os regimes de chuvas e climas regionais. A liberação de carbono armazenado na atmosfera é tão grande que vem neutralizando a atuação da floresta como sumidouro de carbono – o maior do mundo depois dos oceanos. Cientistas alertam que a perda de mais um quinto da mata tropical brasileira causaria um círculo vicioso conhecido como dieback, que ocorre quando o declínio da floresta é tão grande que acarreta uma perda cada vez maior – e irreversível – de biomassa. O colapso da Amazônia lançaria na atmosfera uma bomba de carbono de efeitos apocalípticos; o vapor que reflete a radiação solar antes que ela se converta em calor desapareceria; e os rios aéreos e terrestres encolheriam. A perda catastrófica de mais um quinto da floresta tropical brasileira pode virar realidade em uma geração. Já aconteceu uma vez e está acontecendo de novo. A Zona Vermelha CERTA MANHÃ DE ABRIL, uma piroga equipada com um pequeno motor apareceu na aldeia apurinã de Kamarapa, no sudoeste da Amazônia. A dúzia de índios apertados na estreita embarcação era a última de uma série de delegações aguardadas no povoado. Os barcos haviam começado a chegar na manhã anterior, atracando no pequeno ancoradouro de lama depois de quatro, seis ou até dez horas de viagem através do labirinto de águas profundas que é o sul da planície aluvial da Amazônia na estação das chuvas. Os apurinãs estavam reunidos para discutir uma emergência. Nos últimos anos, criminosos armados de motosserras – os chamados grileiros – vinham penetrando cada vez mais nas reservas indígenas e outros territórios protegidos da Amazônia. Encorajados pela eleição de Jair Bolsonaro, eles passaram a agir com ainda mais ousadia nas áreas mais isoladas do Amazonas, o maior estado do Brasil e dono da maior extensão contínua de floresta tropical do planeta. “Com Bolsonaro, as invasões pioraram e vão piorar ainda mais”, diz Francisco Umanari, 42, um cacique apurinã. “O projeto dele para a Amazônia é o agronegócio. Se ninguém fizer nada, ele vai atropelar os nossos direitos e permitir uma invasão enorme da floresta. A grilagem não é nenhuma novidade, mas agora virou uma questão de vida ou morte”, alerta. Durante dois dias, uma centena de apurinãs – homens, mulheres e crianças – se reúnem em uma maloca de teto de palha na beira do rio para discutir seus temores e planos. É uma corrida contra o relógio climático da Amazônia: em julho e agosto as chuvas cessam, diminuindo o volume dos rios e tornando ainda mais longas as viagens de barco entre as aldeias e as cidades mais próximas. A estação da seca também traz novas queimadas. Em 2018, depois que os satélites do governo detectaram colunas de fumaça, um grupo de apurinãs foi ao local e descobriu que mil hectares de sua mata ancestral haviam desaparecido. “Ficamos chocados com o tamanho da devastação”, conta Marcelino da Silva, um dos membros do grupo. Para criar pastos, os grileiros abriram, a golpes de facão, quilômetros de caminhos pela mata, para que motocicletas pudessem transportar motosserras e barris de querosene floresta adentro. Como a área era remota demais para a extração de madeira, até as árvores mais valiosas foram usadas como combustível, e sementes de capim foram jogadas de helicóptero sobre as cinzas ainda fumegantes. “Sabíamos que a zona vermelha estava vindo em nossa direção, mas não esperávamos um avanço tão rápido e de todas as direções”, diz Marcelino, referindo-se ao termo local para a fronteira agrícola que avança há cinco décadas sobre o sul do Amazonas. “Já sabemos o que acontece quando o Estado não faz nada. Já sabemos o quão rápido a floresta pode desaparecer”, afirma. “A grilagem não é nenhuma novidade, mas agora virou uma questão de vida ou morte” Segundo o Imazon, um centro de pesquisa brasileiro, nos primeiros meses de 2019 o desmatamento aumentou em mais de 50% com relação ao mesmo período do ano anterior. Metade disso ocorreu ilegalmente em áreas protegidas, inclusive nas centenas de reservas indígenas que cobrem um quarto da Amazônia brasileira e funcionam como uma barreira de proteção para o resto da floresta (no Amazonas, as terras indígenas respondem por quase um terço da área verde do estado). Os povos indígenas da região já viram esse filme. Durante o desmatamento desenfreado dos anos 1970, 1980 e 1990, eles sofreram com o avanço de um “arco de fogo” ao longo das primeiras estradas de penetração do oeste da Amazônia. No fim da década de 1980, um verdadeiro crescente de fogo varria a floresta a partir de Belém, passando pelo interior do Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre. As chamas eram mais intensas em Rondônia, onde as centenas de queimadas eram visíveis até do espaço. Agora aquele arco de fogo foi reavivado pelo mesmo motivo: o avanço da fronteira do agronegócio, dominada pelo gado e pela soja. Bolsonaro e seus aliados no Congresso e no governo do Amazonas estão determinados a acelerar este processo em nome do progresso. Para isso, seria necessário extinguir leis e organismos criados para proteger a Amazônia – que abriga a maioria das espécies da Terra – e seus habitantes autóctones, cuja própria existência é execrada e negada por Bolsonaro e sua equipe, incapazes de compreender seu modo de vida. AS ASSEMBLEIAS DOS APURINÃS são longas até para os padrões das democracias participativas de aldeia. No idioma deste povo, apurinã significa “o povo que fala”, um hábito incentivado pelo gosto deles pelo awyry, um estimulante verde feito de sementes trituradas. Pontuadas aqui e ali pelo som de awyry sendo aspirado através de tubos de osso polido, a assembleia do início de abril vai durar até o cair da noite em Kamarapa. Há muito o que discutir: o aumento das patrulhas armadas; uma rede de postos de monitoramento equipados com rádios; uma maior cooperação com etnias vizinhas, inclusive com inimigos tradicionais; buscar aliados em potencial no Brasil e junto à opinião pública e governos europeus e asiáticos, os principais mercados da carne e soja brasileiras. “Estamos fazendo o que podemos, nos organizando, monitorando e pedindo ajuda”, conta Fabiana Apurinã, uma jovem de 23 anos que veio de uma aldeia situada a horas dali, rio abaixo. “Somos guerreiros e vamos nos mobilizar para defender o nosso povo e a floresta. Mas precisamos de ajuda”, acrescenta. “Já sabemos o que acontece quando o Estado não faz nada. Já sabemos o quão rápido a floresta pode desaparecer” A assembleia terminou com a redação de uma carta para a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão sob ataque do governo, e para o Ministério Público Federal. O documento alerta contra a expansão da zona vermelha e o esvaziamento dos organismos estatais de monitoramento e proteção ambiental. “Nosso território está sendo invadido, e estamos nos sentindo abandonados”, diz a carta. “Pedimos que o governo dê valor ao nosso passado e à nossa profunda ligação com esta terra. O desmatamento está avançando em nossa direção. Nossos territórios devem ser garantidos para nossos filhos, respeitando nossos direitos previstos na Constituição. Se o governo não o fizer, nós o faremos.” A MARCHA PARA O OESTE NÃO HÁ SINAL de rádio ou celular nas aldeias da planície aluvial do rio Purus, no sul do Amazonas. Aqui as novidades chegam devagar, de barco. Na manhã do dia 2 de abril, uma embarcação traz a Kamarapa a notícia de que, nas ruas distantes do Rio e de Brasília, apoiadores de Bolsonaro haviam ido às vias de fato com manifestantes contrários ao decreto que ordenava que as Forças Armadas comemorassem o aniversário do golpe militar de 1964. Bolsonaro, ex-capitão do exército, havia feito uma campanha com elogios às políticas de terra arrasada e tortura da ditadura. Em aldeias como Kamarapa, onde o governo militar é lembrado por um programa que, na prática, era uma campanha de extermínio, a notícia foi recebida como uma declaração de guerra. “Bolsonaro está aperfeiçoando o modelo da ditadura. É o mesmo racismo, os mesmos planos para a Amazônia”, diz um morador de 34 anos chamado Wallace. O pingente com a imagem de Che Guevara em seu colar de dentes de onça e seus discursos inflamados, permeados de ameaças separatistas, ilustram bem a ala militante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da qual ele é membro consultivo. “Esse governo usa a mesma linguagem que os generais usaram quando tentaram destruir o nosso povo e a nossa cultura. Mas nós resistimos e sobrevivemos. E vamos resistir de novo. Precisamos agora é de coragem”, declara. A posição de Bolsonaro com relação à Amazônia pertence a uma tradição política que precede a ditadura militar. Ela mistura autoritarismo e o medo de uma suposta vulnerabilidade da Amazônia à conquista estrangeira – ou, em sua versão moderna, à “internacionalização”. Nos anos 1930, o presidente Getúlio Vargas, um simpatizante do fascismo, convocou uma “Marcha para o Oeste” com o objetivo de povoar, desenvolver e defender a posse da floresta contra a cobiça de outros países. Trinta anos depois, o governo militar retomou o sonho não realizado de Vargas com planos de desenvolvimento para “inundar de civilização” a Amazônia. Engenheiros militares comandavam equipes de operários que trabalhavam o dia inteiro para abrir as primeiras estradas a oeste do Mato Grosso – muitas delas copiavam o traçado das antigas trilhas de caça dos índios. Anúncios do governo na TV ofereciam terras e crédito para incentivar a emigração do superpopuloso litoral e das terras já cultivadas do cerrado. Imaginava-se uma Amazônia transformada: os colonos fariam daquele ermo impenetrável um centro de pecuária e pequenas propriedades agrícolas, todas conectadas a portos marítimos e ao mercado global por uma vasta rede de estradas. Índios ou não, os habitantes da floresta que levavam um modo de vida tradicional teriam que se adaptar e abrir passagem. “A ocupação da Amazônia será conduzida estrategicamente como uma guerra”, disse Castelo Branco, um dos líderes do golpe de 1964. Contudo, como tantos outros sonhos amazônicos, os planos de ocupação da selva malograram. O desafio logístico de colonizar o “inferno verde” era maior do que se imaginava na caserna – e a qualidade do solo, muito pior. Os generais não conseguiram construir seu paraíso de pequenos proprietários sobre as cinzas da Amazônia. Mas as cinzas, essas ficaram. Em 1988, quando uma nova Constituição foi promulgada, três anos depois do fim da ditadura, mais de um décimo da Amazônia brasileira havia sido queimada ou degradada por colonos e empresários, com o apoio do governo. Os índios sofreram ainda mais: se, no início do século XX, seu número era estimado em alguns milhões, no fim da década de 1980 só restavam cerca de 200 mil. Desde então a população indígena quadruplicou, um renascimento que se deve aos esforços do Brasil em conter e reverter a onda de desmatamento que começou a se intensificar no fim dos anos 1960. A Constituição de 1988 demarcou 43% da Amazônia como zona proibida para a atividade industrial e o desmatamento – uma área que inclui centenas de novos parques, reservas e mais de 400 terras indígenas, equivalente a duas vezes o tamanho da Espanha –, e estabeleceu normas e limites para os 57% restantes. Foi criado um órgão de fiscalização, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e a Funai foi reformulada para ajudar comunidades indígenas a protegerem suas terras e desenvolverem atividades silvícolas sustentáveis. Além disso, os bancos de desenvolvimento internacionais endureceram os requisitos ambientais e sociais de ajudas e empréstimos, e ONGs e ativistas organizaram boicotes internacionais de sucesso, culminando na histórica Moratória da Soja, em 2006. Embora as queimadas e derrubadas não tenham cessado, a taxa de desmatamento, que havia atingido seu auge em 2004, entrou em um período de declínio. Os índios sofreram ainda mais: se, no início do século XX, seu número era estimado em alguns milhões, no fim da década de 1980 só restavam cerca de 200 mil. O boom das commodities da última década interrompeu essa tendência. O desmatamento – legal e ilegal – voltou a aumentar em 2012, impelido por um agronegócio em expansão e pelo crescimento do poder político dos ruralistas, que desejam levantar as restrições trazidas pela redemocratização à exploração da Amazônia. Essa bancada apoiou um golpe parlamentar contra a presidenta de centro-esquerda Dilma Rousseff, em 2016, e ajudou a blindar seu sucessor, Michel Temer, cujo governo concedeu anistia a grileiros e tentou afrouxar as leis antiescravidão do país. Em 2016, o Mato Grosso se tornou o primeiro estado a revogar a proibição do “correntão”, um método de retirada de vegetação que consiste em uma grande corrente puxada por dois tratores, destruindo tudo em seu caminho. MEU GUIA EM KAMARAPA e em outras aldeias do sul da planície aluvial do Amazonas é Luiz Fernandes, um homem grande e simpático, mas cuja espessa barba negra muitas vezes esconde um semblante taciturno. Grande conhecedor da história, biologia e culturas do oeste da Amazônia, Fernandes se encaixa no estereótipo romântico do funcionário da Funai: respeitoso e defensor de seus parceiros indígenas, mas consciente do paternalismo e de outros males entranhados na cultura institucional do órgão. Ao vê-lo entregando barris de combustível e conversando com caciques no caminho para Kamarapa, é evidente que se trata de uma relação de afeto e confiança mútua. Enquanto nossa lancha desce o rio, contornando grandes troncos submersos, Fernandes descreve uma dupla emergência nas comunidades do interior da floresta, onde ele passa a maior parte do tempo. “Por volta de 2012, as coisas começaram a piorar todo ano”, conta. “Mais invasões, queimadas maiores, cortes no orçamento da Funai e do Ibama. Desde a eleição, a situação piora a cada dia. Todo santo dia tem alguma coisa”, lamenta. Horas depois de assumir a presidência, no dia 2 de janeiro, Bolsonaro entregou a política florestal do país ao Ministério da Agricultura, administrada pela sisuda ruralista Tereza Cristina Costa. Também foi incluída no pacote a demarcação de terras indígenas, tradicional prerrogativa da Funai, entregue à secretária adjunta de Assuntos Fundiários, Luana Ruiz, herdeira de uma conhecida família do agronegócio. A Funai em si foi transferida do Ministério da Justiça para a pasta de Direitos Humanos, também rebaixada (o Congresso acabou revertendo a decisão). Em seguida, o governo mutilou o orçamento da Fundação. Desde janeiro, a Funai vem operando com 70% do orçamento previsto. Vários postos de monitoramento em áreas de alto risco na Amazônia foram abandonados, e operações já planejadas tiveram que ser reduzidas, muitas vezes deixando apenas um funcionário para mediar conflitos violentos em áreas remotas da floresta. “Os índios entenderam o vínculo entre esses sistemas frágeis muito antes de nós: a conexão entre as florestas e os rios, como o desmatamento afeta a chuva e o clima… Quando ainda não se falava de mudança climática, eles já tentavam nos alertar” O ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, 44, cortou funcionários e verbas do parceiro mais importante da Funai no governo, o Ibama. Ele substituiu o conselho do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por oficiais da PM de São Paulo, parte do que o semanário Brasil de Fato chama de “militarização do setor ambiental”. Uma das exceções dignas de nota é a Coordenação de Políticas de Desenvolvimento Sustentável: depois de demitir todo mundo, Salles deixou-a vazia. Fernandes é pessimista na hora de explicar o que está em jogo: “Daqui a 30 anos, quem sabe 15 com este governo, talvez todas as terras daqui até Lábrea já estejam desmatadas”, prognostica. Lábrea, a cidade mais próxima, está a centenas de quilômetros de distância dali. “Isso seria o fim do Purus e da infinidade de plantas que os apurinãs estudam há tanto tempo. O Purus e seus afluentes deságuam no Solimões [trecho superior do rio Amazonas], então isso teria sérias consequências mais ao norte, aonde o desmatamento ainda não chegou. Os índios entenderam o vínculo entre esses sistemas frágeis muito antes de nós: a conexão entre as florestas e os rios, como o desmatamento afeta a chuva e o clima… Quando ainda não se falava de mudança climática, eles já tentavam nos alertar”, diz Fernandes. A ESTRADA PERCORRENDO O INTERIOR de Rondônia ao longo das duas faixas da BR-364, é preciso muita imaginação para visualizar a paisagem que Arima Jupaú conheceu na infância. No fim dos anos 1960, os pastos que hoje vão até onde a vista alcança estavam cobertos de mata virgem, exuberante e cheia de vida. Ele não sabia o que era a fronteira da floresta, porque nenhum dos 10 mil jupaús que ali viviam jamais havia visto tal coisa. Foi só em 1970, quando os engenheiros militares abriram uma estrada de terra ligando o Mato Grosso a Porto Velho, que ele conheceu na prática o conceito de fronteira. À medida em que os colonos iam chegando – meio milhão ao longo da década –, os jupaús aprenderam a temer a beira da mata como um lugar de doenças e violência, uma gigantesca lâmina que os deixaria à beira da extinção. “Nós fugíamos, e toda vez que olhávamos lá do alto, a sensação era de segurança”, recorda Arima, um dos 200 jupaús que restaram. “Achávamos que eles nunca nos alcançariam. Que a floresta era grande demais”, acrescenta. O homem branco não parava de chegar. Ele vinha semear a terra, criar gado, extrair madeira e garimpar ouro e cassiterita, o principal minério do estanho. Os colonos mais agressivos formavam esquadrões da morte e massacravam todos os índios que encontrassem. Uma das primeiras lembranças de Arima foi a pele do seu tio esticada por pedaços de pau, como um espantalho – um recado de um grupo de garimpeiros do local. Os jupaús reagiram. “Falamos para os brancos irem embora, mas eles não ouviram”, conta Arima, que, ainda adolescente, comandava os ataques e era famoso pela pontaria no arco. “Nós os matamos e queimamos as casas deles. Perdemos a conta de quantos”, relata. O desmatamento está desestabilizando microclimas e climas regionais no oeste da Amazônia, causando um atraso perceptível no início da estação das chuvas, que está ficando mais curta e mais quente. Em 1981, dizimados pela tuberculose, gripe e sarampo, os líderes dos últimos jupaús se reuniram com a Funai para negociar uma trégua. “Aceitamos a paz porque eles disseram que protegeriam a nossa terra”, recorda. (Durante a reunião, por causa de um mal-entendido, um funcionário pensou que a tribo se chamava uru-eu-wau-wau, nome pelo qual os jupaús ficaram conhecidos mundialmente.) Por volta da mesma época, funcionários do Banco Mundial em Washington aceitaram as garantias dos generais brasileiros, que pediam 1,6 bilhão de dólares para tirar sua desastrosa ocupação da Amazônia da lama – literalmente. A BR-364, um artéria crucial para o plano de desenvolvimento da região, virava um verdadeiro atoleiro no inverno, a estação das chuvas – e a situação não era muito melhor nos meses de estio. Para desbravar o oeste, a estrada precisava ser pavimentada. O Banco Mundial apoiou o projeto, apesar de um parecer interno que alertava: a pavimentação de 1.400km de estrada intensificaria as catástrofes ambientais e humanas que já ocorriam na região. E foi exatamente o que aconteceu. Quando o clamor da comunidade internacional obrigou o banco a suspender os pagamentos, cinco anos depois, Rondônia tinha a maior taxa de desmatamento do Brasil, acompanhada de um aumento de 3.000% no número de cabeças de gado. O estado estava a caminho de se tornar o primeiro “deserto verde” da Amazônia até 1990. Saio de Porto Velho pela BR-364, acompanhado do filho de Arima, Awapu, um jovem de 27 anos e fala mansa. Ele mora em uma aldeia de quatro famílias em uma reserva indígena no sul de Rondônia com os pais, a esposa e dois filhos. Nos dias seguintes, vou acompanhá-lo em patrulhas na fronteira do território Uru-Eu-Wau-Wau, onde o número de grileiros já voltou ao patamar da geração anterior. Ao longo da espinha dorsal da pecuária de Rondônia – uma indústria de 15 bilhões de reais – a paisagem é só pasto e campos de soja. Enquanto percorremos a estrada, Awapu descreve as várias zonas de conflito das terras indígenas do estado. No oeste, os karipunas enfrentam uma invasão em três frentes; no nordeste, a mata dos suruís foi tão devastada pelo garimpo ilegal de diamante que as opiniões na comunidade se dividem entre resistir ou participar. (Em março, o ministro de Minas e Energia anunciou que acabaria com as restrições à mineração em reservas indígenas.) Segundo Awapu, o problema não são só as terras indígenas. A extração ilegal de madeira está crescendo nos parques e reservas naturais do estado, uma consequência direta dos acenos e políticas do governo. Em abril, Bolsonaro interveio pessoalmente para impedir que agentes do Ibama destruíssem máquinas confiscadas em uma operação contra madeireiros ilegais na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. A prerrogativa de destruir o caro maquinário de madeireiros e garimpeiros ilegais é a ferramenta de dissuasão mais eficaz do Ibama. Mas o órgão foi desautorizado pelo presidente em um vídeo postado nas redes sociais: “Não é pra queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”, sentenciou. Contudo, a orientação de queimar árvores em vez de máquinas ilegais pode prejudicar o próprio agronegócio. Já existem estudos que confirmam o que os índios começaram a notar há décadas: o desmatamento está desestabilizando microclimas e climas regionais no oeste da Amazônia, causando um atraso perceptível no início da estação das chuvas, que está ficando mais curta e mais quente. Se as terras indígenas de Rondônia forem devastadas, o estado virará sinônimo de desastre pela segunda vez na história recente, levando consigo a atividade econômica construída sobre as cinzas da floresta. “É nas matas protegidas de Uru-Eu-Wau-Wau que se encontram as principais bacias hidrográficas do estado”, diz Daniel Peixoto, um delegado da Policial Federal que comandou operações contra a máfia dos grileiros no território indígena de Uru-Eu-Wau-Wau. “Toda a nossa água vem de lá. É por isso que não temos seca. Sua conservação é estratégica até para o agronegócio e a pecuária”, explica. AO RAIAR DO DIA, vou com Awapu tomar café e suco de açaí sem açúcar antes de embarcar em uma piroga em direção à ponta noroeste de Uru-Eu-Wau-Wau, um território de quase 18.000km² no sul de Rondônia. A área está no coração da zona vermelha local, onde o número de invasores pagos por pecuaristas está em alta. Dois outros moradores nos acompanham: Djurip, com seu arco e flechas de bambu, e Potei, armado de uma carabina enferrujada. “Depois da eleição, os grileiros ficaram mais atrevidos”, diz Awapu enquanto amarramos a canoa para entrar na mata. “Eles sabem que Bolsonaro pensa como eles – que a gente não trabalha e não merece tanta terra. Dizem que o presidente vai dar nosso território para eles. Eles acham que ninguém pode detê-los”, afirma. A Comissão Pastoral da Terra registrou mais de 600 assassinatos ligados à luta pela terra desde 2003, a maioria deles na Amazônia, e um aumento de 20% de casos em 2018. Passamos a manhã quase toda percorrendo em silêncio uma trilha de monitoramento. A mata é densa e adornada de cipós. Potei vai na frente. Ele para ao topar com outra trilha – mais rudimentar do que a nossa, porém perfeitamente visível. Os homens se espalham para investigar. Eles voltam de cara fechada. Awapu se ajoelha, esfrega a terra e desenha um ângulo reto com um graveto. “Eles começam com essa forma de ‘L’”, diz ele, apontando para o caminho. “Quinze homens de facão podem abrir uma trilha de 20km em uma semana. Para marcar o terreno, fazer entradas. Quando as chuvas passam, eles voltam com motosserras para cortar as árvores menores e abrir caminho para os tratores, se houver alguma estrada por perto. O resto eles queimam. Em novembro, antes de as chuvas voltarem, eles plantam capim, que cresce rapidinho. E logo aquilo vira pasto. Então eles vendem para algum fazendeiro, que diz não ter conhecimento de nenhuma grilagem. É uma espécie de lavagem”, explica. Para interromper o processo antes da queimada e do plantio, é preciso enfrentar grileiros armados em áreas isoladas, em meio às ossadas de meio século de conflito. Agora que o Estado está saindo da floresta, serão necessários outros métodos de dissuasão, como as patrulhas de índios capazes de se deslocar e se comunicar imperceptivelmente, e cujas flechas surgem da mata como um suspiro. Mas sempre existiu um desequilíbrio de forças. A Comissão Pastoral da Terra, órgão da Igreja Católica brasileira, registrou mais de 600 assassinatos ligados à luta pela terra desde 2003, a maioria deles na Amazônia, e um aumento de 20% de casos em 2018. A maioria das vítimas são índios e outros habitantes tradicionais da floresta que tentam organizar uma defesa conjunta contra o extrativismo ilegal. Uma hora de caminhada depois, a trilha chega ao fim. É ali que a floresta acaba e a fronteira do agronegócio começa. “Fronteira” não é uma metáfora ou um conceito em um relatório da ONU, e sim uma coisa concreta, que pode ser vista, tocada e atravessada. De um instante para outro, o frescor e a sombra da mata fechada dão lugar a uma ofuscante fornalha de capim, tostando sob o sol equatorial. De um lado, o que Euclides da Cunha chamou de “a última página a escrever-se do Gênesis”. Do outro, uma manada de zebus ruminando estupidamente. Awapu aponta para a única vegetação presente do lado das vacas: o capim que serve de forragem animal. “É isso que elas comem”, ele diz. E acrescenta, levantando o dedo para o horizonte: “Tudo isso era floresta quando eu era jovem.” Paramos para comer biscoitos e peixe seco bem ali, na fronteira entre o Gênesis e o Apocalipse. Depois, enquanto nos preparamos para voltar ao rio, Djurip, o mais calado dos três, fala pela primeira vez: “Os brancos nunca respeitaram a nossa cultura porque não é uma cultura de dinheiro. Não é uma cultura do agronegócio. Eles dizem que somos gananciosos e queremos terra demais. Mas são os brancos que têm um apetite insaciável. São eles que estão devorando tudo”, protesta. O FANTASMA DE CHICO MENDES ENQUANTO O SUDOESTE da Amazônia era devorado nos anos 1970, a floresta produzia um anticorpo. Um movimento social e político surgiu para refutar o falso dilema entre preservação e desenvolvimento. Unindo os povos da floresta – indígenas ou não –, ele falava a língua moderna da justiça, uma novidade na Amazônia. Seu líder era um seringueiro e sindicalista do sul do Acre chamado Chico Mendes. Enquanto as queimadas lambiam Rondônia em direção ao oeste, Mendes organizou uma coalizão de pessoas que dependiam da conservação da floresta. Essa aliança criou uma forma de ação não-violenta chamada “empate”. Em alguns empates, homens, mulheres e crianças formavam barreiras humanas em volta de árvores, desafiando os invasores – pobres como eles – a matá-los. Em outros, grupos armados atacavam as bases dos desmatadores, destruindo equipamentos e fazendo reféns. O jornalista Andrew Revkin presenciou aulas de ecologia e teoria marxista ministradas aos prisioneiros pelos homens de Mendes antes da destruição de um desses acampamentos. Mendes ganhou o apelido de “Gandhi da Amazônia” antes de ser assassinado em 1988. Ele chegou ao auge da fama numa época em que o mundo começava a reconhecer os perigos da mudança climática e o Brasil se redemocratizava. Graças a essa feliz coincidência histórica, o legado do líder seringueiro sobreviveu na nova Constituição e no novo governo, principalmente por meio da criação de um arquipélago de “reservas extrativistas” destinadas à extração de borracha, castanha, frutas e outras atividades silvícolas sustentáveis. Em 2007, o então presidente Lula criou um instituto de conservação no seio do Ministério do Meio Ambiente. O órgão foi batizado com o nome de Chico Mendes, seu colega de sindicalismo no início dos anos 1980. O nome de Mendes é tabu no governo Bolsonaro, e tem força o suficiente para incomodar. Quando questionado pela imprensa sobre o desmonte do Instituto Chico Mendes, Ricardo Salles sibilou: “Que diferença faz quem é Chico Mendes nesse momento?”. Este sentimento encontra eco no estado de nascença do seringueiro, o Acre, que em outubro elegeu Gladson Cameli – um barão da soja de segunda geração – para governador, cargo que já havia sido ocupado por um ex-conselheiro de Chico Mendes, o ecologista Jorge Viana. Cameli comemorou a vitória convocando uma reunião com executivos do agronegócio em Porto Velho. “A salvação econômica do Acre é o agronegócio. Rondônia, nosso vizinho e irmão, é a prova disso”, declarou. O enfraquecimento do legado de Chico Mendes atinge até a reserva extrativista que leva o seu nome, na fronteira do Acre com o Peru e a Bolívia. Com a decadência da indústria da borracha, os filhos e netos da geração do “empate” – que cresceram ouvindo histórias de tratores sabotados, correntes humanas em volta de árvores e latifundiários fugindo com o rabo entre as pernas – estão virando pecuaristas. Estima-se que a Reserva Chico Mendes contenha mais de 30 mil cabeças de gado em terras desmatadas, e muitas criações estão acima do limite legal imposto a áreas protegidas. Mais de trinta anos depois, a visão de Chico Mendes continua sendo válida: no fim da contas, uma floresta que renova a si mesma e permanece rica em biodiversidade traz mais benefícios – tanto econômicos quanto ambientais – do que a criação de um semiárido bovino, cuja expansão acaba tendo como resultado a seca. Mas este fato não é suficiente para convencer famílias à mercê das vicissitudes de um mercado global que valoriza madeiras de lei e hambúrgueres. “A pecuária é um negócio seguro. Dá pra ter uma boa renda vendendo um bezerro ou um boi”, afirmou um morador da Reserva Chico Mendes a Lisa Song, repórter da ProPublica, que escreveu uma matéria recentemente sobre o fracasso da comunidade internacional em incentivar e proteger economias silvícolas sustentáveis. Uma floresta que renova a si mesma e permanece rica em biodiversidade traz mais benefícios – tanto econômicos quanto ambientais – do que a criação de um semiárido bovino, cuja expansão acaba tendo como resultado a seca. Na Assembleia Legislativa do Acre, uma bancada minoritária de deputados vem tentando modernizar a visão de Chico Mendes e impedir que um novo arco de fogo devore as florestas do estado, ainda intactas em sua maioria. O grupo é capitaneado por Janilson Leite, médico indígena e vice-presidente da Assembleia. Conheci Leite certa noite em um auditório na sede do governo estadual, em Rio Branco. De óculos, vestindo um elegante terno azul-escuro, o deputado fala pausadamente, mas com uma veemência que surpreende quem se deixa levar por sua aparência de menino. “Depois da ditadura, o Acre investiu nas comunidades rurais e na conservação, tornando-se mais dependente de recursos federais. E, segundo certos critérios, áreas de floresta como a nossa parecem ‘improdutivas’”, afirma Leite. “Não estou dizendo que a floresta é intocável, mas derrubá-la não é a solução. Se agregarmos valor à gestão sustentável que os povos indígenas e outros fazem dos recursos da floresta, veremos que eles contribuem muito mais para economia do que a pecuária e a soja. O potencial medicinal da floresta é enorme. Temos que construir laboratórios de pesquisa. Promover o ecoturismo e indústrias alimentícias que não demandem um plantio anual. Açaí, castanha, frutas…” A riqueza da biodiversidade da Amazônia se deve aos nutrientes gerados pela constante decomposição de sua abundante vegetação, e não às finas camadas de solo que estão por baixo. Sem essa flora, a camada fértil do solo seca e se esgota rapidamente. Para que a produção se mantenha, é preciso fazer uso de onerosos sistemas de fertilização ou sair à procura de novas terras. A maioria dos pastos se degradam e são abandonados depois de 10 ou 15 anos. Ou seja, a própria existência desta atividade (para não falar de sua expansão) depende de um ciclo interminável de destruição: é preciso desmatar mais para superar os problemas causados pela última derrubada, que eliminou a fonte natural de nutrientes do solo. A indústria da soja na Amazônia também tenta lidar com a rápida degradação do solo criando mais terras cultiváveis, saturando-as de doses cada vez maiores de fertilizantes e agrotóxicos. A ministra da Agricultura de Bolsonaro, Tereza Cristina Costa, ganhou o apelido de “Musa do Veneno” por sua cruzada contra a proibição de pesticidas altamente tóxicos. Além do mais, a maioria dos empregos criados por essas atividades é temporária: derrubar árvores. Joaquim Francisco de Carvalho, ex-diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, diz que uma hectare de gado ou soja pode valer de R$ 100 até R$ 1.000, enquanto o mesmo hectare de florestas exploradas de forma sustentável pode render mais de R$ 3.000. Mas a diferença mais importante não pode ser quantificada. O manejo florestal conserva a biodiversidade e o que o etnobotânico e antropólogo Wade Davis chama de “etnosfera” da Amazônia – as últimas culturas com uma visão de mundo fundamentalmente diferente daquelas que nos conduziram à Era Antropocênica. Os habitantes originários da selva são seus defensores mais eficazes justamente por não vê-la como um depósito de recursos a serem extraídos e vendidos – sejam eles ouro, madeira ou créditos de carbono. Isso não significa que a linguagem do comércio e desenvolvimento seja estranha aos habitantes da Amazônia. Com exceção de um número cada vez menor de tribos que nunca tiveram ou se recusam a ter contato com o homem branco, os índios querem se desenvolver e se comunicar com o mundo exterior. Marcos Apurinã, por exemplo, está tentando reviver a Aliança dos Povos da Floresta, uma iniciativa de Chico Mendes que uniu índios, quilombolas e outros grupos que praticam o extrativismo em pequena escala no Brasil. “Temos nossas diferenças, mas temos um inimigo em comum, que é o agronegócio e os ruralistas”, diz Marcos. “Precisamos de uma tríplice aliança na fronteira, um plano comum de defesa e desenvolvimento da região. Também precisamos do Judiciário brasileiro, das cortes internacionais, das ONGs”, afirma. Marcos é membro fundador do Comitê Nacional de Política Indigenista, um órgão consultivo criado em 2015 para servir de ponte entre grupos indígenas e organismos governamentais de desenvolvimento e sustentabilidade. “Temos ideias de desenvolvimento alternativas para gerar a renda de que precisamos para viver no mundo moderno. Passamos essas ideias ao governo. Mas, como em todo o resto, o processo parou quando Bolsonaro foi eleito. Não sabemos o vai acontecer”, inquieta-se. O CAMINHO DO ACRE AO AMAZONAS, ao longo da BR-317, é similar à paisagem de Rondônia vista da BR-364: uma viagem monótona através de pastos sem fim, com pequenos trechos de mata quando a estrada atravessa uma reserva indígena. As criações de gado acabam junto com a estrada, na Boca do Acre, uma próspera e asseada cidade de 35 mil habitantes na beira do maior bloco de floresta tropical do mundo. Capital da pecuária do sul do Amazonas, Boca ostenta um estilo texano comum no interior do Brasil, com bares de caubóis e homens vestidos como o garoto-propaganda da Marlboro: camisa quadriculada desabotoada, cruz de ouro no peito, jeans, fivela desproporcionalmente grande, botas e chapéu de aba larga de palha ou couro – abaixado sobre os olhos, claro. Em minha primeira manhã em Boca, faço uma visita surpresa a Dilermando Melo de Lima, figurão da pecuária local e presidente do Sindicato Rural de Boca do Acre. Setenta e dois anos, barrigudo e dono de um nariz em forma de couve-flor, eu o encontro sentado na varanda, bebendo café em companhia de um gato. Como todos na cidade, ele fala com prazer sobre gado e está otimista com relação ao futuro. “Olha, em Rondônia, no Acre e no Amazonas a pecuária é o futuro, pelo simples motivo de que a Amazônia tem as melhores condições para se criar gado”, acredita. Quando questionado sobre as preocupações dos índios e outros grupos que dizem que o avanço da fronteira agrícola pode destruir os sistemas naturais que tornam a pecuária possível, ele faz um gesto de desdém. “A floresta vai ser derrubada de qualquer maneira. O regime militar foi bom para o desenvolvimento. Bolsonaro tem as mesmas ideias, e os criadores de gado estão apostando no sucesso dele” “Nós, pecuaristas, enfrentamos muitas dificuldades. Há leis e restrições demais. Áreas protegidas demais. A reserva Camicuã, aqui perto, tem 46 mil hectares de terra virgem. Não podemos nem encostar nela! Deviam nos dar autorização. A floresta vai ser derrubada de qualquer maneira. O regime militar foi bom para o desenvolvimento. Bolsonaro tem as mesmas ideias, e os criadores de gado estão apostando no sucesso dele”, afirma. O velho pecuarista relaxa quando a conversa se afasta da política. Filho de um fazendeiro que migrou para a região nos anos 1930, Dilermando amolece ao descrever o vilarejo de pescadores e comerciantes da sua infância, quando as estradas de penetração ainda não haviam trazido os rebanhos para o norte e a brisa da manhã ainda não cheirava a matadouro. Ao recordar aqueles tempos que não voltam mais, ele parece mais um índio do que um fazendeiro. “Era tudo mata e rio naquela época. Daqui até Rio Branco. Mata e rio”, relembra. NO LIMITE NO INÍCIO DE MAIO, poucas semanas depois da conversa com Dilermando, a ONU publicou um histórico – e preocupante – relatório sobre biodiversidade. Realizado por especialistas das mais variadas disciplinas, o documento conclui que apenas uma “mudança transformadora” poderia evitar a extinção de um milhão de espécies de plantas e animais. Esses milhões de seres vivos que estão morrendo em florestas tropicais degradadas e fragmentadas – ou em oceanos ácidos e esgotados pela pesca – são apenas as primeiras vítimas de um processo de desintegração dos ecossistemas que ameaça “as próprias bases da economia, subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida do mundo”. Ao clamar por uma “mudança transformadora”, os cientistas não estão apenas repetindo velhos apelos por uma economia ligeiramente mais verde, mas sem mudar as estruturas de nosso modelo de crescimento, produção e consumo. “Estamos falando de uma reorganização fundamental em todo o sistema, levando em conta fatores tecnológicos, econômicos e sociais, incluindo paradigmas, metas e valores”, diz Robert Watson, químico atmosférico britânico e diretor do painel de especialistas. Quanto à inspiração necessária para uma transformação desta envergadura, o relatório pede uma “participação plena e efetiva dos povos indígenas” no desenvolvimento de sistemas de governança ambiental baseados em “conhecimentos, inovações, práticas, instituições e valores (…) indígenas”. Este é o fruto de um diálogo tardio, porém cada vez mais intenso, entre a ciência ocidental e as culturas indígenas. Depois de décadas como espectadores à margem, os índios estão mais próximos do centro do palco nas cúpulas ambientais, apoiados por uma onda de estudos que confirmam sua antiga reivindicação de protetores mais naturais e eficazes da floresta. Em novembro de 2018, uma delegação amazônica entregou um documento – a Declaração de Bogotá – à 14ª Conferência da Biodiversidade da ONU, na cidade egípcia de Sharm El-Sheikh. Nela, 400 etnias da bacia amazônica traçam um plano para criar um “corredor sagrado de vida”, formado por territórios indígenas contíguos dos Andes ao Atlântico. Dentro desses 200 milhões de hectares de floresta, as nações indígenas reuniriam seus conhecimentos ancestrais, demonstrando modos alternativos de vida e desenvolvimento. A declaração descreve a proposta como “um primeiro passo para garantir a existência de todas as formas de vida do planeta”. Os signatários do documento buscam apoio e reconhecimento internacional para fazer frente aos governos que estão loteando a floresta para o agronegócio e a exploração de metais, madeira e petróleo. Para o governo Bolsonaro, a ideia de grupos indígenas aliados a países ocidentais e à ONU para enfrentar o desafio climático confirma séculos de paranoia nacionalista. Embora essa preocupação seja infundada, a Declaração de Bogotá enxerga o futuro da Amazônia da maneira certa: não como uma questão econômica ou um embate moral entre índios e caubóis, e sim como uma crise global que requer novas formas de ver o mundo e tudo o que ele contém. Com a contribuição de Mauro Toledo Rodrigues. Tradução: Bernardo Tonasse

Entenda como foi feita algumas etapas das apurações dos personagens da #VazaJato

Quando publicamos a parte 8 da série As mensagens secretas da Lava Jato, a procuradora Monique Cheker – citada na reportagem e consultada previamente por nós – reagiu enviando uma nota a um site que atua como porta-voz de Sergio Moro e da Lava Jato. Ela tentou desqualificar a reportagem. "Não reconheço os registros remetidos pelo The Intercept, com menção a minha pessoa, mas posso assegurar que possui dados errados e alterações de conteúdo", afirmou Cheker. Uma acusação como essa é grave para qualquer jornalista. Fosse verdade o que alegou a procuradora, teríamos cometido um grande equívoco na apuração. Só que não. Quem está errada é ela. Desde que recebemos os arquivos que deram origem à #VazaJato, nossa principal preocupação foi nos certificarmos da veracidade das mensagens. Temos perfeita compreensão da gravidade do conteúdo revelado nos diálogos que estamos reportando e que erros ou incorreções ferem a credibilidade do Intercept, das reportagens e inclusive a nossa. Assim, passamos semanas obstinadamente buscando sinais que confirmassem a autenticidade das mensagens. Encontramos, em quantidade mais que suficiente: conversas de nossos repórteres com procuradores; menções a nós em outros diálogos que coincidem com datas em que procuramos a Lava Jato; referências a locais e endereços que conhecemos; discussões prévias sobre eventos a que sabemos que a força-tarefa compareceu; trocas de argumentos sobre processos à época em que eles eram julgados; comentários sobre noticiário do dia. Repórteres parceiros repetiram o procedimento, e o resultado foi o mesmo. Os nomes dos interlocutores aparecem nos arquivos que recebemos como estão originalmente nos chats do aplicativo Telegram. Muitas vezes, eles estão sem sobrenome – justamente o caso de Monique. Por isso, é necessário investigar o sobrenome correto e acrescentá-lo ao texto (nos chats reproduzidos em artes, fazemos isso usando um pop-up sinalizado por um quadrado vermelho) para que você, nosso leitor, tenha uma informação precisa e entenda perfeitamente o contexto das conversas. Essa busca é um processo exaustivo e frequentemente demorado, que repetimos cada vez que nos deparamos com o nome de um novo personagem. No caso da procuradora Monique Cheker isso se deu da seguinte forma: Para começar, buscamos em outras conversas sinais que possam trazer evidências sobre quem é a pessoa de que temos certeza sobre o sobrenome. Fazendo isso, encontramos o seguinte diálogo de Cheker no chat privado dela com Deltan Dallangnol, datado de 9 de setembro do ano passado: Deltan – 00:17:33 – Mo, como faço a citação do artigo? Preciso dos dados da obra em que estará inserido. Vc me passa ou indica nome se estiver já online? Monique – 01:10:06 – Pela ABNT, faça a citação e coloque a informação “no prelo” após o nome do autor. 01:11:20 – [imagem não encontrada] 01:11:50 – O nome da coletânea será “Desafios contemporâneos do Sistema Acusatório” Uma simples busca pelo nome do livro na internet nos levou ao site da Amazon: A pré-visualização do livro no site da Amazon permite que tenhamos acesso ao índice da publicação. Nele, como vemos abaixo, consta o nome de Cheker (e de nenhuma outra Monique), confirmando o que ela disse a Deltan. Ou, ao contrário do que escreveram os porta-vozes da Lava Jato, Monique é Monique: Já é conclusivo, certo? Certo, mas não o suficiente para nós. Queríamos ter certeza de que não haveria chance de estarmos errados. Assim, resolvemos consultar também a base de dados do Portal de transparência do Ministério Público Federal. Este link se refere aos membros ativos em novembro de 2018, quando houve a conversa que reportamos. Uma simples busca nominal nele (se você estiver em seu computador, pode fazer isso teclando command+F, no Mac, ou ctrl+F, no Windows) revela que existe apenas uma procuradora chamada Monique no grupo: Monique Cheker. Perfeito. Caso resolvido? Quase. E se por acaso a Monique que participa do grupo BD fosse uma procuradora aposentada? Para excluir essa possibilidade, consultamos também a lista de membros inativos do MPF em novembro de 2018. Qual o resultado? Nenhuma procuradora aposentada nas datas se chamava Monique. Concluímos, assim, acima de dúvida razoável, como gostam de dizer os juízes, que a Monique que aparece nas conversas é Monique Cheker. Também encontramos em informações públicas o nome de um parente muito próximo de Cheker, citado por ela nos chats privados. É claro que jamais diremos de quem se trata para não expor uma pessoa que não é pública, mas isso foi útil para a confirmação da identidade da procuradora. Quanto aos diálogos que publicamos, eles jamais são editados – você pode notar que as mensagens foram publicadas nas reportagens inclusive com eventuais erros de digitação cometidos pelos interlocutores. Todo esse cuidado não quer dizer, claro, que sejamos imunes a erros. No caso de Cheker, a primeira versão da parte 8 trazia um erro sobre o local de trabalho dela. Em casos como esse, sempre fazemos a devida correção. É fácil saber quando elas foram necessárias: estão indicadas sempre ao final dos textos. Uma questão de transparência. Felizmente, o rigor com que vimos trabalhando na #VazaJato fez com que erros fossem pontuais, e jamais alterassem a compreensão de uma reportagem. Tanto que jornalistas como Reinaldo Azevedo e Mônica Bergamo e veículos como Bandnews FM, Folha de S. Paulo, Buzzfeed, El País e a revista Veja – para não falar (Ô louco, meu!) no apresentador Fausto Silva –, que tiveram acesso ao conteúdo dos arquivos ou confrontaram o que foi publicado com dados dos processos, notícias da época e sentenças judiciais chegaram à mesma conclusão que nós: as conversas são verídicas. É com elas que Moro, Dallagnol e os demais precisam se preocupar.

Sergio Moro vira réu em ação que pede ressarcimento por prejuízos da "lava jato"

A ação foi apresentada por cinco deputados federais, com fundamento no fato de que a lei prevê reparação por atos de agente público que afro...